quarta-feira, 8 de abril de 2015

MAZAGÃO: A CIDADE QUE ATRAVESSOU O ATLÂNTICO.


ASPECTOS HISTÓRICOS DE MAZAGÃO: O baluarte português norte africano – Mazaganópolis – A Mazagão Africana.
No século XVI, em 1529, em Marrocos, foi instalado um novo poder árabe denominado de Xerife (chefe militar, político e religioso), que atacou o reino de Fez, também de denominação muçulmana, acusado de pactuar com os católicos com prejuízo à causa islâmica. A luta religiosa já se fazia sentir entre as duas religiões. Nas ruas de Fez a frase que mais se repetia pelos seguidores de Maomé era: “guerra aos cristãos”.
Procurando encontrar a predominância guerreira-religiosa no Norte da África, em 12 de fevereiro de 1549, D. João III decidiu mandar construir em Alcácer Quibir um forte para a defesa da cidade e para servir de um possível refúgio. As então praças lusitanas sediadas no Norte da África, já estavam, sob grave perigo, entre elas Mazagão.
Em junho de 1549, para enfrentar a difícil situação norte africana, o rei D. João III, pediu auxílio da Espanha, para recrutar 5 mil combatentes em Castela, Carlos I. Todavia, apesar do perigo comum árabe, nenhum apoio foi dado aos portugueses.
Foi nessa “guerra santa”, entre cristãos e mouros (Africanos islamizados), na região marroquina, em uma dessas batalhas, que vários lusitanos perderam a vida e muitos ficaram feridos, entre eles um soldado, que recebeu um ferimento no olho, que vazou. Nada mais era do que Luiz Vaz de Camões, que mais tarde se imortalizaria na literatura Universal.
A bravura lusitana continuava no Norte da África durante o século XVI. Em maio de 1562, 150 mil mouros que tinham a comanda-los um general de 20 anos, Melel Mohamed, que durante 65 dias sitiaram Mazagão, cuja praça de guerra foi defendida até por mulheres com crianças ao colo, ajudando às poucas centenas de soldados portugueses a repelir os ferozes mouros. No final da Batalha mais de 25 mil soldados mouriscos estavam mortos em torno da cidade. Os portugueses não chagaram de 117 mortos e 270 feridos, segundo o capitão interino da Mazagão Africana Rui de Sousa Carvalho. Foram dois meses e meio de luta. Com excessao de Tanger, Ceuta e Mazagão, os mouros dominavam todo o Norte da África.
É nessa característica de luta e dependência econômica à coroa portuguesa, que o principal ministro do rei D. José I, no século XVIII, Marquês de Pombal recebe a Mazagão Africana. O Marquês, atento às tradições, aos méritos, à situação de cada família, resolve desativar a cidade de Mazagão, que tantos gastos faziam numa guerra inglória ao interesse econômico e religiosos dos portugueses, que por esse interesse morria-se. Por Carta Régia (Carta Real), Portugal desativou um dos últimos baluartes da “cavalaria medieval”, da “guerra santa” – luta contra os hereges mulçumanos / mouros – e da presença lusa no norte da África.
Desativada a cidadela da Mazagão Africana (Mazaganópolis) pela Carta Régia de 10 de março de 1769, decretada pelo Rei D. José I, o Marquês de Pombal toma as providências necessárias para transferir as 340 famílias portuguesas sediadas no último reduto português do continente africano.
Quando deixam a região marroquina, os mazaganistas, assim eram chamados, na desativada Mazagão, antes de deixarem aquele castelo, minaram-no todo, e após a saída, conduzindo os objetos de valor, atearam fogo ao estopim ligado às minas, destruindo-o completamente. Apesar disto, os mouros ocuparam a região por ordem do seu rei.
Após a transferência das famílias do Marrocos para Portugal, ficou a cargo do ex-governador do Grão-Pará e Maranhão, na época trabalhando em Portugal na função de Secretário de Estado dos Negócios e da Marinha e Domínios Ultramarinos. Este entrou em contato com o então governador do Grão-Pará, Ataíde Teive, pra providencias o alojamento para essas famílias.
O governador Ataíde Teive, para alojar esses colonos, mandou construir um povoado às margens do rio Mutuacá. Em 7 de junho de 1770, começaram a ser transferidas 136 famílias para a Nova Mazagão (hoje Mazagão Velho), como passou a denominar-se o lugar, desde o dia 23 de janeiro de 1770, quando foi elevada à categoria de vila.
Foi na região da África que se verificou o heroísmo lusitano nas lutas constantes contra os seguidores de Maomé, nas célebres batalhas entre cristãos e mouros. Foi nos desfechos destas batalhas que surgiu a lenda de São Tiago, santo que ajudava os portugueses nessas batalhas, até hoje relembradas no mês de julho na histórica e secular vila de Mazagão Velho, resquício de nossa História Amazônica nos seus primórdios.

A Mazagão AmazônicaEm 1769, sob as ordens de D. José I, Mazaganópolis foi desativada em função do fator das famílias portuguesas (cristãs) viverem em constantes ameaças de ataques do dos Mouros (africanos islamizados).
Em 1770, desembarcaram em Belém, 340 famílias portuguesas, num total de 1022 pessoas, fugindo do castelo da Mazagão Africana, ficam hospedados em Belém até junho de 1771.
Das 340 famílias, 163 foram transferidas para a Mazagão Amazônia, as outras se estabeleceram na região de Belém e em Macapá – nesta ficaram a maioria dos oficiais.
O projeto pombalino para a Mazagão Amazônica previa a implantação de um grande pólo agrícola especialmente para o cultivo do arroz e algodão, este projeto visava abastecer as vilas do Grão Pará.
Desdobramentos sociais, políticos e econômicos...Quando da composição da Câmara Municipal Mazaganense, foi nomeado vereador-presidente o fidalgo João Froés de Abreu. Após seu falecimento em 13 de janeiro de 1772, o capitão Manoel Lobo D’Almada ficou responsabilizado pela vila, assumiu oficialmente a função de presidente da Câmara Municipal e impulsionou o progresso da Nova Mazagão (Mazagão Amazônica).
Mas foi na administração dôo sargento-mor, Izidorio José da Fonseca Cabral de Mesquita, que a vila prosperou. Assumiu em 25 de abril de 1775, e em 1778 se cultivava na região, algodão e arroz, chegando a produção do cereal a ser tão elevada que abastecia o comercio da cidade de Belém.
Em 1781, uma epidemia de cólera atingiu a região, vitimando dezenas de mazaganenses, prejudicando profundamente a economia do município, cuja produção de algodão e arroz deixou de atender a demanda interna. Em meados de 1782 por meio de intensos auxílios da Vila de Macapá e da Cidade de Belém, a moléstia foi controlada e as atividades agrícolas retomadas, mas sem a celeridade de outrora.
Em 1833 é extinta Mazagão Velho de sua categoria de vila, tendo o seu nome mudado para “Regeneração”, ficando sua jurisdição subordinada a vila de Macapá.
Em 30 de abril de 1841, Mazagão Velho tem a categoria de vila restaurada, com seu primitivo nome.
A partir de 1840 inicia-se o processo de declínio econômico e populacional da Mazagão Velho, por alguns fatores:
- As doenças, principalmente a malária, entre outras, por fator de insalubridade da região;
- A má administração pública;
- A falta de acessibilidade, que só podia ser feito pelo rio Mutuacá;
Era uma vila apertada, de melancólico recesso, que só podia agradar aos moradores já acostumados àquela vida.
Em 19 de abril de 1888, Mazagão Velho é elevada à categoria de Cidade, pelo Governo da Província do Pará.
Em 1907, foram fixados os limites de Mazagão Velho com seus municípios vizinhos, pelo Governo do Estado do Pará.

A fundação da Mazagão Novo ou Mazaganópolis
Em detrimento da situação econômica, social e política da Mazagão, resolveu-se em 1915 autorizar a incorporação deste burgo ao município de Macapá, não sendo aceito pelos mazaganistas, pois não queriam perder a independência político-administrativa, decidindo-se pela transferência da estrutura político-administrativa e social para um novo local.
A área escolhida ficou situada ao norte da antiga Mazagão Velho e mais próximo da cidade de Macapá, em frente de um furo que tem o nome de “Beija flor”: entre o rio vila Nova e o braço esquerdo do rio amazonas.
Os direitos de cidade de Mazagão Velho foram revogados pela Lei do Estado do Pará n° 46;
Em 15 de novembro de 1915 foi criada a Nova Mazagão ou Mazaganópolis, sendo algumas famílias transferidas da antiga Mazagão para esta recém criada: sede do território municipal.
Para se chegar na Mazagão Nova ou Mazaganópolis, por terra, vai-se através de uma estrada vicinal à rodovia Duque de Caxias, em torno de 40 Km de distância desta rodovia. Seus limites podem ser caracterizados assim: Ao norte: municípios de Amaparí, Porto Grande e Santana; Ao Sul: Vitória do Jarí; ao Leste: Rio Amazonas e a Oeste: Laranjal do Jarí.
A festividade de São TiagoEm Mazagão tem hoje especial relevo o combate de Santiago Matamouros. Numa comunidade que tem origem na África mulculaman, nas terras dos mouros – a fortaleza de Mazagão era um posto avançado no combate contra os infiéis, para as bandas de Alcácer el Quibir , onde desapareceu o rei D. Sebastião antes de vir ressurgir a lenda nessas suas terras do Brasil.
Na representação da batalha imaginário, inicia-se com a entrega de presentes envenenados aos cristãos. Desconfiados, estes deitam parte aos animais da mouraria. À noite, em baile de máscaras que os traiçoeiros oferecem – já comemorando antecipadamente sua vitória, os cristãos disfarçados, comparecem levando o resto da comida. Perdem os infiéis, nesta tragédia de enganos, seu rei Caldeira.
O novo rei é uma crianças, caldeirinha. Recomeça a Luta. Mandam agora o Bobo Velho, que não é bobo mas espião. Os de Portugal, que também não são bobos, apedrejam-no. E mandam seu espião, Atalaia. Heróico, Atalaia rouba o pavilhão do crescente, mas, pego, é decapitado.
A seguir Caldeirinha seqüestra e vende as crianças cristas. Inicia-se finalmente a batalha feroz, num dia prolongado pela divindade para ver a derrota do povo infiel. E o baile do Vomite consagra e congraça a população de Mazagão.

O presente texto, ao tratar de questões referentes a História de Mazagão, utiliza informações das seguintes bibliografias:
PICANÇO. Estácio Vidal.. Informações sobre a História do Amapá. Imprensa Oficial. 1985.
SANTOS, Fernando Rodrigues dos. HISTÓRIA DO AMAPÁ, Ed. Valcan Ltda.
SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: A terra onde o Brasil começa. Edições do Senado: Brasília, 2004.
O texto não faz referência às idéias e aos autores em sua concomitância por questões didáticas, abandonando, assim, as normas da ABNT, por não se tratar de um trabalho propriamente científico.

Ao estudar História lembre:
A finalidade da História é entender o presente com os respaldos dos desdobramentos factuais que levaram à conjuntura constitutiva de uma realidade contemporânea ao pesquisador. Assim: para a História a realidade hoje é fruto de ações humanas, que refletem nos aspectos das estruturas sociais, econômicas, culturais e políticas nas quais o homem é autor e está inserido.
Para a História, tudo teve um início... Tudo é fruto de uma ação... Para entender, então, o resultado de uma ação, é preciso compreender o processo que levou ao fim... ao resultado...

Consultoria em História:
Cel.: 91 992595311
e-mail: danielrodrigues2001@yahoo.com.br

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

ESCRAVO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL - HISTÓRIA DA ÁFRICA E AFRO-BRASILEIRA...


O NEGRO, A ESCRAVIDÃO E O BRASIL: A Negritude brasileira.


GENÉTICA
O Brasil recebeu cerca de 37% de todos os escravos africanos que foram trazidos para a América. A quantidade total de africanos subsaarianos que chegaram no Brasil tem estimativas muito variadas: alguns citam mais de três milhões de pessoas[carece de fontes?], outros quatro milhões. O tráfico de negros da África começou por volta de 1550.
Durante o período colonial, os escravos de origem africana ou indígena eram a quase totalidade da mão-de-obra da economia do Brasil, utilizados principalmente na exploração de minas de ouro e na produção de açúcar.
Os homens eram a grande maioria dos escravos traficados, o que afetava o equilíbrio demográfico entre a população preta. No período 1837-1840, os homens constituíam 73,7% e as mulheres apenas 26,3% da população escrava. Além disto, os donos de escravos não se preocupavam com a reprodução natural da escravaria, porque era mais barato comprar escravos recém trazidos pelo tráfico internacional do que gastar com a alimentação de crianças. Em relação à grande quantidade de africanos que aqui chegaram, a sociedade brasileira têm até poucos de seus genes, possivelmente devido o desequilíbrio que havia entre a quantidade de homens e mulheres, além da maior mortalidade entre a população de escravos.
Embora tenha sido proibido por várias leis anteriores, o tráfico internacional de escravos para o Brasil só passou a ser combatido através da lei Eusébio de Queirós de 1850, depois da pressão política e militar da Inglaterra.
A escravidão foi diminuída no decorrer do século XIX com a Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários, mas somente em 1888 foi definitivamente abolida através da Lei Áurea assinada pela Princesa Isabel.
No decorrer do século XX, muitas expressões culturais afro-brasileira começaram a ser aceitas pelas elites brasileiras. As formas de música popular e danças afro-brasileiras tornaram-se então muito disseminadas, destacando-se a fama internacional do samba. Mestre Bimba apresentou, em 1953, a capoeira ao presidente Getúlio Vargas que a chamou de "único esporte verdadeiramente nacional".
Também no decorrer do século XX, as perseguições às religiões afro-brasileiras diminuíram e a Umbanda carioca passou a ser seguida por alguns membros da classe média-branca. O futebol, esporte inicialmente dos brancos, passou a ter também jogadores pretos. Chegou-se assim ao paradoxo da situação atual em que a cultura afro-brasileira ocupa uma posição de destaque no âmbito popular, mas a participação dos pretos é pequena na política, na literatura, nas ciências e na produção artística mais erudita das elites brasileiras.
Origens
O tráfico negreiros classificava os escravos utilizando vários termos como Nagôs, Jejes, Mina, Angolas, Congos e Fulas, os quais se referem mais propriamente à região de origem do que a nações ou culturas. Cada um destes termos inclui, portanto, diferentes etnias. Outra fonte de confusão é que muitas vezes os escravos eram classificados pelo tráfico negreiro de acordo com a língua que falavam ou entendiam como, por exemplo, Nagôs (que entendiam Iorubá) e Haúças (que entendiam a língua haúça, língua comercial espalhada por toda África Central, antigamente chamada de sudanês).
Os africanos mandados para o Brasil são divididos grosso modo em dois grandes grupos: os Bantu e os oeste-africanos.
Bantus
Os Bantus são descendentes de um grupo etnolingüístico que se espalhou rápida e recentemente desde a atual região de Camarões em direção ao sul, atingindo tanto o litoral oeste quanto o leste da África. Como esta expansão foi recente, as diferentes nações Bantus têm muitos aspectos étnico-culturais, linguísticos e genéticos em comum, apesar da grande área pela qual se espalharam.
Os Bantus trazidos para o Brasil vieram das regiões que atualmente são os países de Angola, República do Congo, República Democrática do Congo, Moçambique e, em menor escala, Tanzânia. Pertenciam a grupos étnicos que os traficantes dividiam em Cassangas, Benguelas, Cabindas, Dembos, Rebolo, Anjico, Macuas, Quiloas, etc.
Constituíram a maior parte dos escravos levados para o Rio de Janeiro, Minas Gerais e para a zona da mata do Nordeste.
Oeste-africanos
Os oeste-africanos provinham de uma vasta região litorânea que ia desde o Senegal até à Nigéria, além do interior adjacente. A faixa de terra fronteiriça ao sul da região do Sahel, que se estende no sentido oeste-leste atravessando toda a África, é denominada Sudão. Frequentemente, os escravos de origem oeste-africana são chamados de sudaneses, o que causa confusão com os habitantes do atual Sudão, que comprovadamente não forneceu escravos para as Américas. Além disto, apenas parte dos escravos de origem oeste-africana vieram da vasta região chamada Sudão. Os nativos do oeste-africano foram os primeiros escravos a serem levados para as Américas sendo chamados, nesta época, de negros da Guiné.
Os oeste-africanos eram principalmente nativos das regiões que atualmente são os países de Costa do Marfim, Benim, Togo, Gana e Nigéria. A região do golfo de Benim foi um dos principais pontos de embarque de escravos, tanto que era conhecida como Costa dos Escravos. Os oeste-africanos constituíram a maior parte dos escravos levados para a Bahia.
Rotas do tráfico entre Brasil e África
Cada época da História do Brasil tem diferentes portos importantes de embarque de escravos, e cada porto recebia escravos provenientes de uma grande região que ia até de centenas de quilômetros para o interior da África. Portanto, a origem étnica dos escravos recebidos no Brasil é muito variada, além de se ter alterado ao longo dos séculos de tráfico negreiro.
Apesar disto, os grupos étnicos acabaram se dividindo por locais, com preponderância dos Bantos no Rio de Janeiro e dos escravos oeste-africanos na Bahia e norte do Brasil. Uma das razões foi o momento histórico em que ocorreu cada ciclo econômico em uma região diferente do Brasil (açúcar no nordeste, ouro em Minas Gerais e café no Rio de Janeiro) e a oferta maior de escravos em uma região da África
Os portos de embarque na África concentravam escravos provenientes de uma grande região que ia até de centenas de quilômetros pelo litoral e para o interior do continente. De modo simplificado, podemos dizer que os escravos africanos trazidos para o Brasil originavam-se nos seguintes locais de embarque:
* Oeste-Africano: portos do Senegal e Gâmbia (em menor escala, a ilha de Gorée),[14][15] Mina (hoje Elmina) em Gana, Uidá em Benim e Calabar na Nigéria;
* Centro-oeste Africano: portos de Cabinda (próximo a foz do rio Congo) e Luanda, ambos na atualAngola;
* Leste Africano: portos de Ibo, Lourenço Marques e Inhambane em Moçambique; portos de Zanzibar e Quiloa na atual Tanzânia.
Cada época da História do Brasil tem diferentes portos importantes de embarque de escravos na África, portanto, a origem étnica dos escravos recebidos no Brasil é muito variada ao longo dos séculos de tráfico negreiro. Ao mesmo tempo, cada ciclo econômico (açúcar no nordeste, ouro em Minas Gerais e café no Rio de Janeiro) fazia com que uma região diferente do Brasil demandasse mais mão-de-obra escrava do que as outras. Assim temos:
* séculos XVI e XVII: portos do Senegal e Gâmbia (em menor escala, a ilha de Gorée) enviando escravos da região oeste-africana (negros da Guiné) principalmente para Salvador e Recife;
* séculos XVIII: Portos de Mina, Uidá, Calabar; Cabinda e Luanda; e Zanzibar enviando escravos que eram desembarcados principalmente em Salvador e Rio de Janeiro, de onde a maior parte ia para a Minas Gerais;
* século XIX: Portos de Mina, Uidá e Calabar; Cabinda e Luanda; Zanzibar e Quiloa; Ibo, Lourenço Marques e Inhambane enviando escravos que eram desembarcados principalmente em Salvador e Rio de Janeiro, de onde a maior parte seguia para as plantações de café no vale do Paraíba do Sul e cana-de-açúcar do norte fluminense.
Na primeira metade do século XIX, em que ocorreu o apogeu do tráfico de escravos para o Brasil, os escravos do oeste-africano iam principalmente para Salvador, enquanto os centro-oeste e leste-africano iam principalmente para o Rio de Janeiro. A razão é simplesmente a distância menor entre portos de embarque e desembarque, transportando uma carga que literalmente perecia com as más condições da viagem. Deste modo, os grandes grupos étnicos acabaram predominando em alguns locais como os Bantos no Rio de Janeiro e dos escravos oeste-africanos na Bahia e norte do Brasil
Origens
O tráfico negreiros classificava os escravos utilizando vários termos como Nagôs, Jejes, Mina, Angolas, Congos e Fulas, os quais se referem mais propriamente à região de origem do que a nações ou culturas. Cada um destes termos inclui, portanto, diferentes etnias. Outra fonte de confusão é que muitas vezes os escravos eram classificados pelo tráfico negreiro de acordo com a língua que falavam ou entendiam como, por exemplo, Nagôs (que entendiam Iorubá) e Haúças (que entendiam a língua haúça, língua comercial espalhada por toda África Central, antigamente chamada de sudanês).
Os africanos mandados para o Brasil são divididos grosso modo em dois grandes grupos: os Bantu e os oeste-africanos.
Bantus
Os Bantus são descendentes de um grupo etnolingüístico que se espalhou rápida e recentemente desde a atual região de Camarões em direção ao sul, atingindo tanto o litoral oeste quanto o leste da África. Como esta expansão foi recente, as diferentes nações Bantus têm muitos aspectos étnico-culturais, linguísticos e genéticos em comum, apesar da grande área pela qual se espalharam.
Os Bantus trazidos para o Brasil vieram das regiões que atualmente são os países de Angola, República do Congo, República Democrática do Congo, Moçambique e, em menor escala, Tanzânia. Pertenciam a grupos étnicos que os traficantes dividiam em Cassangas, Benguelas, Cabindas, Dembos, Rebolo, Anjico, Macuas, Quiloas, etc.
Constituíram a maior parte dos escravos levados para o Rio de Janeiro, Minas Gerais e para a zona da mata do Nordeste.
Oeste-africanos
Os oeste-africanos provinham de uma vasta região litorânea que ia desde o Senegal até à Nigéria, além do interior adjacente. A faixa de terra fronteiriça ao sul da região do Sahel, que se estende no sentido oeste-leste atravessando toda a África, é denominada Sudão. Frequentemente, os escravos de origem oeste-africana são chamados de sudaneses, o que causa confusão com os habitantes do atual Sudão, que comprovadamente não forneceu escravos para as Américas. Além disto, apenas parte dos escravos de origem oeste-africana vieram da vasta região chamada Sudão. Os nativos do oeste-africano foram os primeiros escravos a serem levados para as Américas sendo chamados, nesta época, de negros da Guiné.
Os oeste-africanos eram principalmente nativos das regiões que atualmente são os países de Costa do Marfim, Benim, Togo, Gana e Nigéria. A região do golfo de Benim foi um dos principais pontos de embarque de escravos, tanto que era conhecida como Costa dos Escravos. Os oeste-africanos constituíram a maior parte dos escravos levados para a Bahia.
Pesquisas genéticas
Uma recente pesquisa genética, encomendada pela BBC Brasil, analisou a ancestralidade de 120 brasileiros auto-declarados pretos que vivem em São Paulo.[26] Foram analisados o cromossomo Y, herdado do pai, e o DNA mitocondrial, herdado da mãe. Ambos permanecem intactos através de gerações porque não se misturam com outros materiais genéticos provenientes do pai ou da mãe, salvo as raras mutações que podem ocorrer. O DNA mitocondrial de cada pessoa é herdado da sua mãe, e esta o herdou do ancestral materno mais distante (a mãe da mãe da mãe etc). Já o cromossomo Y, presente apenas nos homens, é herdado do pai, e este o herdou do ancestral paterno mais distante (o pai do pai do pai etc).
Miscigenação racial dos brasileiros
Valores arredondados provenientes de duas pesquisas independentes feitas respectivamente com brasileiros pretos e com brasileiros brancos:
Origem Negros Porc.(%) Brancos Porc.(%)
Materno(DNAmt)
África subsaariana 85% 29%
Européia 2,5% 38%
Ameríndia 12,5% 33%
Paterno (Cromossomo Y)
África subsaariana 48% 2%
Européia 50% 98%
Ameríndia 1,6% 0%

Esta pesquisa mostrou proporções quase iguais de pessoas com Cromossomo Y provenientes da Europa (50%) e da África subsaariana (48%) no grupo de brasileiros pretos que foi analisado. Com segurança pode-se afirmar que metade (50%) desta amostra de pretos brasileiros são descendentes de pelo menos um europeu homem. Por outro lado, esta pesquisa mostrou que no grupo de brasileiros e brasileiras pretos analisados, cerca de 85% das pessoas tinham DNA mitocondrial originado de uma antepassada da África subsaariana e 12,5% de uma índia.
Se o grupo analisado representa uma boa amostra da população brasileira, pode-se dizer que os brasileiros pretos descendem pelo lado paterno tanto de europeus quanto de africanos subsaarianos, embora pelo lado materno sejam na maior parte descendentes de africanas subsaarianas (85%). Nota-se também que uma parte considerável (12,5%) deste grupo de brasileiros auto-declarados pretos é descendentes pelo lado materno de pelo menos uma ancestral índia.
A mesma pesquisa genética também analisou a ancestralidade de brasileiros pretos famosos. O resultado surpreendeu ao mostrar que pessoas auto-classificadas e consideradas pretas perante a sociedade apresentam alto grau de ancestralidade europeia. Alguns resultados obtidos foram:
* Daiane dos Santos, atleta : 40,8% de genes europeus, 39,7% da África subsaariana e 19,6% ameríndios;
* Neguinho da Beija-Flor, sambista : 67% de genes europeus e 32% da África subsaariana;
* Ildi Silva, atriz : 71,3% de genes europeus, 19,5% de genes da África subsaariana e 9,3% ameríndios;
* Sandra de Sá, cantora : 96,7% de genes da África subsaariana;
* Milton Nascimento, compositor e cantor : 99,3% de genes da África subsaariana.

sexta-feira, 18 de março de 2011

A FORMAÇÃO HISTÓRICA DE SALINÓPOLIS

Desde 1613 já existe relatos de Daniel de La Toche, capitão Francês, sobre as costas de Virianduba, quando saiu do Maranhão em direção ao Mar Dulce (Rio Amazonas), ele desembarcou na região mais peninsular e tentou se abastecer, assim como, conhecer os índios tupinambás que viviam na região. A estadia do Capitão foi breve, e logo rumou para seu destino.
A efetiva colonização portuguesa se deu na região com a tentativa de prevenir os frequentes naufrágios nas imediações da costa paraense, e devido a existência de barrancos de areias em áreas como na frente de Virianduba, porquanto achava-se insuficientes as fogueiras que guiavam as embarcações, determinou o então governador do Grão-Pará e Maranhão, que fosse construída uma guarita em local estratégico, de onde o vigia pudesse avisar os navegantes, com tiros de canhão, a proximidade do canhão de entrada e de um banco de areia nas proximidades.
Com a efetiva colonização do homem branco, Virianduba – Terra de Pássaros – passou a se chamar Salinas. Nome que provinha da existência de salinas naturais encontradas em toda a costa.
Para substituir a antiga forma de sinalização na região, foi construído um Farol Náutico, visto que o Canhão de sinalização foi abalado pela fúria do mar. Em 1852 inaugurava-se o primeiro Farol, construído em um barranco na Ilha do Atalaia, sobre uma base de pedra, tijolo e cal, de 20 metro de altura por 8 de diâmetro. O seu alcance era de 20 metro e resistiu por 70 anos.
Na segunda metade do século XX Salinópolis já era uma cidade simpática e já recebia turistas de varias regiões, começou então a haver o processo de valorização imobiliária do espaço e consequentemente a intensificação do avanço antrópico sobre as áreas até então com natureza virgens, principalmente na região do Maçarico, em seguida na Área do Atalaia.
A AÇÃO ANTRÓPICA NA PRAIA DO ATALAIA
O advento da cidade como ponto turístico do Estado provocou uma série de mudanças sócio-econômicas e ambientais na cidade. No que se refere ao meio ambiente, passou-se a ser mais evidenciado o avanço da ação do homem nas áreas de manguezais e em matas virgens. A ação antrópica ainda é muito evidenciadas nas praias de Salinópolis, e as que sofrem ação mais intensa são as praias do Atalaia e do Maçarico.
A praia do Maçarico recebeu há pouco mais de uma década a Orla, evitando a entrada de automóveis na mesma, possibilitando então um processo de sucessão ecológica, pois as áreas de dunas passaram a ter vegetação, e esta vegetação já está de médio porte.
Já a Praia do Atalaia ainda é aberta à circulação veicular e recebe uma grande quantidade de turistas durante as temporadas, percebe-se então um intenso pisoteiamento das areias, assim como, as precárias estruturas logísticas dos quiosques (barracões) existentes na mesma, pois suas condições sanitárias impelem detritos, na maioria das vezes direto no mar. Ainda é percebível no Atalaia a falta de coleta regular de lixo na praia, desta forma, o que acontece é que os usuários da praia deixam seus restos de consumo e lixos na praia.
É notável então que algumas ações regulatórias do uso da raia do Atalaia devem ser feita para melhor conservar a praia, buscando diminuir, acima de tudo, a agressão ao meio ambiente.

segunda-feira, 7 de março de 2011

PENSANDO SOBRE A CIÊNCIA HISTÓRICA...

TEORIA E METODOLOGIA DA HISTÓRIA
O que é História?
Antes de começarmos o estudo da História é preciso entender as minúcias deste termo, pois o mesmo pode ser entendido como polissêmico, visto que de acordo com o tempo ganhou adaptações conceituais.
O filósofo Voltaire, ao tratar do conceito de História, em seu Dicionário Filosófico, argumenta que “História é a narração de fatos verdadeiros, ao contrário da fábula, narração de fatos fictícios”. E continua: “O início de toda história está nas narrativas que os pais contam aos filhos e são transmitidas de geração a geração” (p. 267).
A visão do Filósofo Voltaire era de uma história atrelada à Filosofia, mãe das Ciências, e não a de uma Ciência Histórica, pois o mesmo viveu no século XVIII, quando a História começa a ter outro sentido, consolidado no século XIX, desta forma, para ele a história era uma simples narrativa.
Já o Dicionário de Conceitos Históricos (Silva e Silva, 2006), emerge um significado mais contemporâneo para o termo em questão. Para os autores, “a função da História é fornecer explicações para as sociedades humanas, sobre suas origens e as transformações pelas quais estas passam. Essas explicações, por mais diversas que sejam, são feitas sempre sobre uma base comum, a temporalidade”.
A concepção de história mais influente no século XX e XXI é a de Marc Bloch. Para ele, a verdade era um dois princípios fundamentais da História, algo que o historiador deveria procurar identificar. Caberia assim, ao historiador, a tarefa de julgar os fatos, tentando alcançar a verdade.
Para o Historiador Eric Hobsbawm, o passado e a História são usados para legitimar ações do presente, ações políticas de diferentes cunhos, nacionalistas, étnicos, etc. E nesse caso, o historiador não pode se furtar a criticar seus maus usos.
Os métodos do estudo da História
Para os metódicos – os positivistas hoje são mais conhecidos – a História era feita de documentos escritos, sendo a principal tarefa do historiador era recolhê-los e submetê-los à crítica externa e à crítica interna para comprovar sua autenticidade. Nessa concepção, os documentos transmitiam o conhecimento histórico por si. Assim, segundo essa corrente, o documento era a prova concreta e verídica de um passado imutável que não precisava ser interpretado.
Mas, a partir da década de 1930, um grupo de historiadores franceses associados a revista Annales, impulsionaram a crítica à essa concepção de documento, influenciados por Karl Marx, precursor da contestação da pretensa objetividade imparcial da História, não , ainda no século XIX. Para Marx, todo historiador estava ligado a uma classe, não podendo ser imparcial, premissa que guiou a pesquisa dos materialistas históricos e dos Annales para o campo da interpretação e da análise, mudando o conceito de documentos.
A partir de então, o fato histórico deixou de ser entendido como dado de forma verídica e real pelos documentos; ele precisaria ser construído pelo historiador a partir de uma conjunção de fatores presentes e passados.
Ao mesmo tempo, uma emergente metodologia histórica, a História Oral, trouxe idéias inovadoras para a noção de fonte histórica, principalmente por criar seus próprios documentos: as entrevistas. O registro oral é o documento construído pelo historiador, tomando como base a memória do entrevistado.
O trabalho do Historiador
O historiador se apropria de muitas outras ciências, teorias, métodos e técnicas, buscando sempre atender sua tarefa primordial: “apreender o todo como uma combinação particular de seus elementos”. Seguindo isto, alguns historiadores parecem perceber a evolução da humanidade como um processo que parte gradativamente de um estado de completa homogeneidade para um de crescente diferenciação e complexidade social.
Nessa evolução, nossos ancestrais vêm deixando, há milhões de anos sinais de sua existência, como restos de construção, objetos de usos domésticos, vestimentas, calçados, obras de arte, pinturas, cartas.
Os historiadores chamam esses materiais de diferentes formas: documentos históricos, fontes históricas ou evidencias históricas.
Em seu trabalho de reconstrução do passado, portanto, os historiadores usam tanto informações de textos escritos quanto de outros tipos de evidencia, como pinturas, fotografias ou instrumento de uso cotidiano. Com isso, podem interpretar tanto a História das sociedades que possuíam escritas quanto a das que não a dominavam, e assim desvendar o passado das mais diferentes regiões do mundo.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Os Aparelhos Repressivos Sociais...

Na atual conjuntura em que se encontra a sociedade brasileira, não é difícil perceber que a segurança dos que residem nesta deve receber uma atenção, na mesma medida dada à educação. Pois esta precisa ser eficiente na formação cidadã, já a polícia, enquanto um aparelho social repressivo, deve se impor diante da falha educacional – aparelho ideológico social, componente da super-estrutura.
É preciso revolver, no entanto, que os aparelhos repressivos possuem a finalidade de manter a ordem social e resguardar os direitos fundamentais, e ainda os mais complexos inerentes a cidadania humana. Desta forma, a repressão possui uma “dose” que não pode ser desregrada diante das garantias legais do indivíduo humano.
A necessidade que os aparelhos repressivos têm, de garantir o bem e a segurança do homem – cidadão – em sociedade, está inserida no âmbito de que, aqueles são fiscalizadores e executores do contrato social, fiscalizam se há distúrbios sociais no que se refere à infração dos deveres do cidadão, e executam as leis punitivas.
Pensando assim, nossos aparelhos repressivos devem cuidar do Contrato Social, contrato este que veio, segundo Hobbes, Rousseau e Locke, tirar o homem da barbárie e organizar um estado de coisas harmônicas, onde o bem social e humano deve prevalecer, mas nunca esquecer dos direitos fundamentais que nos possibilita sermos chamados cidadãos.

domingo, 25 de outubro de 2009

ENTENDENDO A SOCIEDADE CAPITALISTA

CAPÍ TULO I
O CONCEITO DE “IDEOLOGIA” E O SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO
1.1 A IDEOLOGIA E OS APARELHOS IDEOLÓGICOS
Alguns conceitos que serão utilizados no decorrer deste trabalho possuem significados que se distinguem de acordo com as correntes de pensamento dos teóricos. Um destes conceitos é fundamental dentro da abordagem do referente tema, primeiro porque seu significado não é singular possuindo alguns pontos variantes de acordo com a corrente de pensamento, segundo por ele refletir sobre vários outros conceitos que serão usados neste, este termo é “ideologia”.
1.1.1 O que é Ideologia?
Começaremos discorrendo sobre a abordagem feita por Chauí, para ela “a ideologia é um sistema ordenado de idéias ou representações, normas e regras, que aparecem como algo separado e independente das condições materiais” (apud SILVA e SILVA, 2006, p. 206-207). No entanto, esta descrição leva à um engano, “pois nenhuma idéia existe de fato sem relação com as condições materiais de existência” (ibidem, p. 207). Ao tentar conciliar o conceito de Chauí, podemos então concluir que ela considera a ideologia como algo desligado da realidade por restringir este conceito com base na análise da sociedade capitalista, para a mesma então, ideologia é o conjunto de “conhecimento ilusório que tem por finalidade mascarar os conflitos sociais e garantir a dominação de uma classe sobre a outra”(ibidem, p. 207) , ou seja,
as concepções filosóficas, éticas, políticas, estéticas, religiosas da burguesia são estendidas para o proletariado, perpetuando os valores a elas subjacentes como verdades universais. Desta forma, impedem que a classe submetida desenvolva sua própria visão de mundo e lute pela sua autonomia (CHAUÍ, 1993. p. 145).
Partindo de uma visão indutiva, Chauí constrói o significado deste conceito visando a análise da atual sociedade, e é assim que chega na conclusão de que a ideologia é uma forma de camuflagem da realidade com base em interesses do grupo que a elaborou.
Diferentemente desta visão, podemos considerar que “além da dominação e reprodução social, a ideologia é um campo também de resistência, em que não somente os dominados aderem à ideologia hegemônica, pois também entram no jogo do dominador a partir de seus próprios interesses” (Gramisci, apud SILVA e SILVA, 2006, p. 2008).
Seguindo essa via de fundamentação marxista, pode-se apresentar a visão de Fiorin (2006), este teórico estabelece uma ponte entre “linguagem e ideologia”, pois aquela é o “veículo das ideologias”. Para ele “há dois níveis de realidade e que o nível da aparência é a inversão do nível da essência”. Este nível de aparência pode ainda ser chamado de nível fenomênico, sendo que nem sempre, ou mesmo nunca, é coerente com a essência da realidade. O nível fenomênico é então uma camuflagem da realidade, fundamental para a construção da ideologia, ou ainda: o fenomênico é formado para atender à uma ideologia.
A partir do nível fenomênico da realidade, constroem-se as idéias dominantes numa dada formação social. Essas idéias são racionalizações que explicam e justificam a realidade. Na sociedade capitalista, a partir do nível aparente, constroem-se os conceitos de individualidade, de liberdade como algo individual etc. Aparecem as idéias da desigualdade natural dos homens, uma vez que uns são mais inteligentes ou mais espertos que os outros. Daí se deduz que as desigualdades sociais são naturais. Outras idéias pias, presas às formas fenomênicas da realidade, vão construindo-se: a riqueza é fruto do trabalho (só se omite que fruto do trabalho dos outros); pobres e ricos vão sempre existir; a pobreza é uma benção, pois a riqueza só traz preocupação (FIORIN, 2006, p. 28).
Para reforçar este argumento de que a ideologia é fundamentada nas formas fenomênicas da realidade e que estas formas são construídas por interesses, Fiorin emerge como exemplo “as idéias que ganham estatuto de verdades científicas e, não obstante, estão vinculadas às formas aparentes da realidade. É o caso, por exemplo, das teorias antropológicas segundo as quais havia raças inferiores e superiores e que estas deveriam civilizar aquelas” (Ibidem, p. 28).
Não só esta teoria lembrada por Fiorin, mas o “determinismo biológico” sobre a cultura, o “determinismo geográfico” são frutos de ideologias que possuem por trás interesses grupais, é só lembrar daquelas que foram fundamentais na justificativa do colonizador durante o colonialismo e o neocolonialismo.
Seguindo esta via de constatação histórico-social, Fiorin (2006. p. 32) elabora o seguinte significado para o termo “ideologia”:
Uma formação ideológica deve ser entendida como a visão de mundo de uma determinada classe social, isto é, um conjunto de representações, de idéias que revelam a compreensão que uma dada classe tem do mundo. (...) o discurso é mais o lugar da reprodução que o da criação.
Toda classe então possui a sua ideologia, sua interpretação do mundo, possuindo também seu discurso próprio, este é o reprodutor das idéias. O que faz a diferença na eficácia deste discurso é a quantidade e o controle dos meios mecânicos que esta classe possui para disseminar seu discurso.
Outro teórico que pode nos fornecer interpretações sobre este termo é o sociólogo Guareschi (2005. p. 19). Ele elenca três significados para este conceito. O primeiro é o etimológico, ou seja, o estudo das idéias. O segundo é o que chama de “sentido positivo”: conjunto de idéias, valores, maneira de sentir e pensar de pessoas e grupos. Já o terceiro é chamado de “sentido crítico”, significando as “idéias erradas, incompletas, distorcidas, falsas sobre fatos e a realidade”. Este conceito, que é considerado o mais atual e menos defasado por Guareschi, possui uma analogia à consideração de Fiorin, quando este diz que a ideologia da classe dominante deforma a realidade a partir dos níveis fenomênicos da realidade, assim como é sempre distante da essência social, buscando com isto atender a seus interesses.
Deve-se, a partir das afirmações de Fiorin e Guareschi, responder como e por que as pessoas podem ter “idéias erradas” sobre as coisas, pois isto é importante no entendimento da construção dos diversos aspectos da ideologia. Explanamos que ao mencionar que existem idéias erradas é pelo fato de nos fundamentarmos em uma corrente de pensamento histórico-crítica[1].
Quanto aos aspectos da perpetuação e entranhamento[2] dessas “idéias erradas”, Guareschi (2005, p. 20) diz que “na medida em que nós vamos incorporando e aceitando o que os outros pensam e acham a nosso respeito, nós vamos formando nossa identidade”. Esta identidade pode ser caracterizada pela ação dominada ou dominante, pois “ideologia é [ainda] o uso de formas simbólicas para criar, ou reproduzir relações de dominação” (GUARESCHI e BIZ, 2005, p. 144).
Guareschi (2005. p. 22) discorre bem claramente sobre essa ideologia criada por uns – grupos, classes, ou mesmo indivíduos – sobre os outros – grupos ou classes de oposição, ou que podem vir a inquietar aqueles. Vejamos:
Você já conversou com alguma pessoa pobre, algum favelado?
Se você tentar descobrir o que ele pensa dele mesmo, vais ver que a imagem que ele tem de si mesmo é bastante negativa. Ele acha que não presta, que é ignorante, que é mau, que vale menos que os pessoal ‘de bem’, isto é, os que sabem ler e escrever, são ricos, vivem no centro da cidade.
O teórico nos leva a perceber uma conseqüência sobre esta situação de dominação apresentada anteriormente, e pode ser estendida para outras situações. Para ele,
se você consegue convencer alguém de que ele não presta, vale menos, é ignorante etc., você pode dominar totalmente essa pessoa, pois ela já está dominada ‘na alma’, ‘na consciência’. Ela mesma já não vai querer subir, exigir mais, ter os mesmos direitos que os outros, pois ela já está convencida de que vale menos! (...) Ela interiorizou a imagem negativa que fazem dela os que têm poder e acabou acreditando na história de que ela, afinal, vale menos mesmo! (Ibidem, p. 23).
Nas situações teorizadas acima, percebe-se com nitidez o poder de uma ideologia eficaz, para esta ser eficaz precisa ser reproduzida pelo discurso e de meios para disseminar este. Mas há outro meio em que a ideologia se incorpora, o qual precisamos sucintamente analisar, este meio é a superestrutura da sociedade.
1.1.2 Os aparelhos ideológicos
Dentro de uma apreciação geral da superestrutura o Estado está acima da mesma, sendo constituído pelos Poderes de Estado (Governo, Assembléias, Parlamento) e pelos Aparelhos de Estado (Instituições). Estes aparelhos podem ser caracterizados, de acordo com sua função, como “ideológicos” ou “repressivos”. Quanto aos repressivos podemos elencar: Exército, polícias, Seguranças, Tribunais, Prisões e o Direito, sendo que não nos deteremos em analisá-los. Já os “aparelhos ideológicos”, os principais em nossa sociedade capitalista, são: a Família, as Igrejas, as Escolas, as Entidades Assistenciais e os meios de Comunicação Social (mídia) (GUARESCHI, 2005, p. 90).
Para melhor ponderação sobre os múltiplos reflexos que os significados do termo ideologia possui, aquele adotado neste trabalho e que não se restringe ao etimológico, precisamos tratar introdutoriamente sobre as principais características e funções dos mais relevantes aparelhos ideológicos para esta abordagem. Atendendo a isto, começaremos respondendo de forma clara e crítica o “por quê” que eles existem. Desta forma, pode-se exprimir que,
Todo agrupamento humano, toda sociedade necessita assegurar sua sobrevivência e sua permanência, sua reprodução. A sobrevivência é assegurada pela produção, e a reprodução é assegurada por diversos aparelhos, ou mecanismos, podendo assim garantir sua continuidade (Ibidem, p. 90).
À princípio pode-se manifestar que todo aparato ideológico possui na sua essência essa finalidade, a de fortificar e legitimar algo que já existe, sendo à nível essencial[3] contrários às mudanças: defensores das permanências, perpetuadores das estruturas já existentes na sociedade.
Começaremos a arrazoar sobre o aparelho ideológico da Escola[4]. Para Luft, Escola é tudo que ensina ou dá experiência, ou mesmo, um estabelecimento de ensino criado com este objetivo, para ele ainda, o ato educacional é a busca do desenvolvimento integral e harmônico de todas as faculdades humanas, assim como: a busca pelos bons modos, pela cortesia e pela polidez (1995). Com base nesta análise conceitual, vamos iniciar uma elucidação mais crítica desta estrutura que conhecemos como Escola. Esta é um estabelecimento criado para ensinar e dá experiência, criado por um Estado, que é governado por pessoas ligadas a uma classe, se for uma sociedade capitalista esta classe é a burguesia. Todo ensino é baseado em uma ideologia, esta ideologia explica a sociedade de acordo com a “experiência” da classe que está no poder, pois precisa reproduzí-la, fortificá-la, perpetuá-la.
Para Guareschi (2005. p. 99) a escola é um “aparelho criado pelo grupo dominante para reproduzir seus interesses, sua ideologia”. Após esta expletivação ele nos dá como exemplo algumas informações sobre a vida e os pensamentos socráticos. Vejamos:
Sócrates dizia que o professor é semelhante a um parteiro. O parteiro tira o humano do humano. Assim deve ser o educador: aquele que tira de dentro das pessoas o que já existe de humano dentro dessas pessoas. (...) Seu método consistia não em dar repostas que os outros devessem aceitar e repetir, mas em fazer perguntas, obrigando a pessoa a pensar até que ela mesma se desse conta de suas contradições e compreendesse a totalidade do fenômeno. (...) esse processo não agradou aos donos, e Sócrates foi acusado de corromper a juventude, de colocar “minhocas” na cabeça das pessoas, principalmente dos jovens. Começou uma perseguição muito grande contra sua pessoa e seu método, e Sócrates, para evitar problemas e dissabores maiores, teve de tomar cicuta (Ibidem, 100).
Tornando à sociedade atual, não é difícil evidenciar outros exemplos onde uma escola voltada para mudança seja restringida pelos interesses daqueles que optam pelas permanências das estruturas vigentes. Assim, o tipo de escola que possuímos hoje, nos paises capitalistas dependentes, é o tipo de escola necessária para que o capital possa se expandir e gerar lucros. Pode-se elencar duas funções que a escola capitalista desenvolve na sociedade. Uma é a de preparar mão-de-obra para o capital. Esta é uma tarefa imediata, necessária, apesar de não ser a mais importante.
Guareschi (2005. p. 102) alega que,
todas as reformas de ensino que aconteceram no Brasil, nas últimas três décadas, tiveram como objetivo fundamental a preparação de mão-de-obra conveniente ao bom desempenho das industrias no desenvolvimento econômico do país. Esse objetivo está claro nas justificativas das próprias reformas.
A outra função da escola dentro da sociedade capitalista, e a que faz esta instituição ser considerada um aparato ideológico, é a reprodução das relações de dominação e exploração. Estas relações são básicas dentro de nossa sociedade e uma escola instituída por ela não deixaria de ter a função de reproduzí-la. Estas duas funções se complementam, pois ao que uma providencia uma educação escolar que esteja empreguinada com a ideologia de uma classe, a outra incorpora uma finalidade mecânica à escola: formar trabalhadores para a “máquina capitalista”. A partir daqui, nossa análise se tornaria extensa quanto a este aparato.
Outro aparelho ideológico que precisa ser mencionado e caracterizado é o da Família. Estudaremos o mesmo com base nos direcionamentos de Melo (1977, p. 59). Para ele, o fenômeno de Opinião Pública[5] é formado a partir de dois fatores: o “básico” e os “complementares”[6].
Entre os fatores básicos estão a educação [da qual já tratamos], a vida familiar e a participação nos grupos primários. (...)
... se insere no próprio contexto da educação informal. Da família, o individuo recebe uma série de padrões de comportamento, aos quais se vai acostumando, e em torno dos quais vai girar na sua atividade social. Toda a sua vida em sociedade estará orientada pelos marcos de referencia que advêm da vida familiar e condicionam a adoção de opiniões e atitudes (ibidem, p 59).
Desta forma, é inegável que a família é influenciada pela mídia, já que os modelos de núcleos familiares que temos na sociedade são determinados pelos meios midiáticos – família estruturada e família desestruturada, “pois a mídia (notícias, divertimentos, novelas, filmes, shows...) modifica a forma como as pessoas se relacionam, como aprendem, compram, namoram, votam, consulta médica, fazem sexo”, assim como o que é certo ou errado (GUARESCHI, 2005, p. 38). A família, então, também se torna passível e fomentadora dos modelos disseminados pela mídia. Ela também é fruto da época da “cronofagia”, ou seja, “uma época em que temos necessidade de nos alimentar do “tempo”, que passou a significar o “novo”, época em que muitos se transformam em devoradores de coisas novas” (ibidem, p. 48).
As mesmas características que fazem da escola, da família, dos sindicatos e de outros serem considerados aparatos ideológicos podem ser empregados à análise das Igrejas. Ou seja, também estão a serviço da reprodução das relações de dominação do sistema capitalista. Exploraremos algumas explicações sobre este aparato.
Não foram poucos os que, na história da humanidade, tentaram e conseguiram absolutizar o poder por meio de uma justificativa divina, conseguindo assim, dominar seus súditos. É perceptível que todo governante, para melhor se consolidar busca o apoio das instituições religiosas. Isso porque este aparato possui o poder de disseminar e sacralizar ideologias por meio de explicações até mesmo sobre-humanas. Não é difícil na sociedade capitalista perceber ainda as alianças que existem entre governantes e igrejas, em troca de interesses recíprocos.
Pode-se colocar junto com essa categoria de religião todas aquelas que servem aos interesses dos donos do poder. Uma religião que não possui uma postura crítica diante do social, que no contém em si a possibilidade de denunciar a absolutização do poder, a corrupção que decorre desse poder absoluto, e a dominação e opressão que são resultado dessa situação estrutural, não deixa de ser super estrutural (GUARESCHI, 2005, p. 120).
A Igreja então, que deveria ser uma disseminadora das idéias igualitárias e humanas se torna perpetuadora das relações capitalista. É preciso considerar que “quando um regime autoritário e dominador se sente bem com determinado grupo religioso, e vice-versa, pode-se começar a suspeitar que tal religião esteja servindo aos interesses dos poderosos” (Ibidem, p. 120).
Não se pode deixar de alegar nesta discussão, que os aparatos explorados possuem sua contradição. Por isso, é possível encontrar dentro de uma escola domesticadora e manipuladora, relações sociais que levem a uma transformação e que propiciem uma verdadeira educação. Assim como, numa igreja, ou numa religião, esses grupos podem ser, simplesmente, locais onde são legitimadas, reproduzidas e sacralizadas as relações capitalistas de dominação e exploração, pode ser que os grupos religiosos passem a desenvolver uma práxis libertadora; tornando-se local de denunciação dos falsos deuses do dinheiro e do poder; local de denunciação de sistemas absolutos e totalitários; local de protesto contra a miséria real, de denuncia profética dos males, entre outros.
1.2 A FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO E A NECESSIADADE DE REPRODUÇÃO
Para uma melhor consistência na análise posterior e na tentativa de mapear aspectos da reprodução ideológica dentro da sociedade atual, é preciso manifestar informações que proporcionem compreender como se formou as estruturas sociais e políticas dentro desta sociedade. Partindo deste pressuposto serão feita algumas discussões teóricas sobre a formação do Estado Moderno, que é a gênese do Estado Contemporâneo que temos hoje, especificamente nos pontos de funcionamento infra-estrutural e superestrutural necessários à melhor compreensão deste estudo.
Quando mencionamos a infra-estrutura nos referimos aos mecanismos e elementos inerentes ao Modo de Produção, ou seja: os meios de produção (fabricas e terras) e o trabalho, que compõem o que chamamos de Forças de Produção, e as Relações de Produção. Essas relações de produção e a superestrutura dessa sociedade e o Modo Moderno de produção serão nosso foco de análise.
Para este estudo aceitaremos o seguinte significado para o conceito de “Modo de Produção”:
Para Marx, os modos de produção correspondem a estágios específicos das forças de produção e relações de produção de dada forma social. O modo de produção, em linguagem menos teórica seria o modo pelo qual determinada sociedade organiza sua vida econômica, o trabalho, as estruturas políticas e jurídicas e mesmo as manifestações culturais. Todos os aspectos da vida em sociedade (desde os aspectos materiais até os aspectos mentais) estariam determinados pelo modo de produção da vida material. Para o materialismo histórico, é a maneira concreta de uma sociedade organizar sua produção que dá forma a todo o edifício social nela existente (SILVA e SILVA, 2006, p. 301).
O modo de produção do Estado Moderno é o Capitalismo[7], pode-se até afirmar que aquele nasceu em detrimento deste. Os primeiros elementos deste modo de produção surgem de acordo com que vão se desestruturando os elementos do Feudalismo. Podemos elencar como componente básico da nova sociedade inerente a este modo de produção a classe social burguesa. É esta a mentora de muitas estruturas do capitalismo. Ao conseguir se consolidar concomitantemente ao sistema, elementos foram sendo criados, assim como as relações específicas deste modo de produção foram sendo clarificadas. Este sistema moderno surge com a intensificação do comércio e, conseqüentemente, da produção em larga escala e à distância, neste ínterim, o grupo que dominou o comércio e a produção ganhou espaço nesta sociedade capitalista, substituindo os resquícios da sociedade nobiliárquica. Em seguida, buscou ganhar espaço político através das Revoluções Burguesas. Este caminho percorrido por esta classe com o fim de consolidar-se, foi impregnado da elaboração de elementos de controle e de solidificação das relações capitalistas, que são de dominação e exploração.
Para Procacci (2003, p, 53), “a tendência da classe dos exploradores em realizar o lucro máximo sobre o trabalho dos simples produtores, esta é a sua lei fundamental”. E ainda, Soboul (2003. p. 69) nos manifesta a aliança que existia entre os monarcas absolutistas e a classe dominante capitalista:
Na sociedade do Antigo Regime, a burguesia detentora do capital comercial estava, em grande parte, ligada ao poder do Estado monárquico e à aristocracia feudal: financistas, grandes negociantes, fabricantes-empreendedores estavam integrados – no que diz respeito às relações de produção.
Ainda que a burguesia ganhe ascensão social e jurídica com os movimentos burgueses em “aliança com o povo”, a consolidação do capitalismo e das relações de produção só se dão a partir do século XVIII, com o advento das Revoluções Industriais.
Esta Revolução completou a transição do Feudalismo ao Capitalismo, pois significou o momento final do processo de expropriação dos produtores diretos. O Modo de Produção capitalista pode ser caracterizado pela introdução da maquinofatura e pelas relações sociais de produção assalariadas. Tais relações passaram a predominar a partir do momento em que houve a separação definitiva entre capital e trabalho, reflexo direto da industrialização (MARQUES; BERUTTI; FARIA, p. 27).
Após esta revolução a organização social ficou mais clara, ou seja, os antagonismos entre as classes se evidenciaram como consolidados. Mas, antes de arrolar as classes que compõem essa estrutura social, precisa-se argumentar sobre o significado atribuído ao termo e que será adotado neste estudo, já que existem vários significados e forma de abordá-lo de acordo com a corrente de pensamento.
Primeiramente é viável expor a interpretação feita por Silva e Silva (2006, p. 63, 64) sobre o que Karl Marx considerou classe social:
Marx definiu classe social como a posição comum de um conjunto de individuo no interior das relações sociais de produção. Para ele, classe era um grupo social com uma função especifica no processo. Por exemplo, os proprietários de terra, os capitalistas e os trabalhadores constituem classes distintas. Cada um deles ocupa um lugar especifico no processo de produção: uns possuem a terra,. Outros, o capital, e os trabalhadores, a habilidade de trabalho.
(...) a partir da analise geral da obra de Marx, o exercício de atividades profissionais, a maneira de pensar e o modo de vida seriam condições necessárias para a definição de um grupo como classe, mas, além disso, para que esse grupo se torne uma classe no sentido pleno é preciso que tenha consciência da sua unidade e de distinção (possivelmente até de hostilidade) diante de outros agrupamentos sociais.
Esta interpretação é salutar, pois as análises de Marx são extensas e os conceitos se tornam rebuscados. Para clarear este termo, é viável recorrer ao que o sociólogo Guareschi (2000, p. 40) expõe ao analisar Marx. Para ele,
o antagonismo fundamental de classes entre trabalhadores e capitalistas pode ser visto como uma polarização em cada um, desses três processos adjacentes ou dimensões: (1) os capitalistas controlam o processo de acumulação, (2) decidem como os meios físicos de produção devem ser usados e (3) controlam estrutura de poder dentro do processo do trabalho. Os trabalhadores ao contrário, são excluídos do controle sobre as relações de poder, dos meios físicos de produção e do processo de investimento. Estas duas combinações desses três processos de relações de classes constituem as suas posições antagônicas básicas de classes dentro do modo capitalista de produção.
Além destas duas posições antagônicas, Guareschi (ibidem, p. 42), apresenta uma posição contraditória entre elas. Vejamos:
‘Gerentes e supervisores’ ocupam uma posição contraditória entre a burguesia e o proletariado. À semelhança dos operários, os baixos gerentes e supervisores vendem sua força de trabalho e estão excluídos do controle sobre o processo de acumulação; ao contrário dos trabalhadores, eles participam do capital físico e da supervisão do trabalho dentro da produção.
Outras posições contraditórias podem ser observadas, mas nos prendemos a aceitar neste estudo apenas a que mais se evidencia entre as duas classes antagônicas: donos dos meios de produção e trabalhadores, e um grupo que exerce uma posição contraditória nessa relação: ou burguesia administrativa.
Um fator muito importante para definir as classes numa sociedade é quanto as diferenças ideológicas. Neste aspecto já emergimos como que a ideologia é importante na tentativa de perpetuação de uma classe no poder. A burguesia moderna soube muito bem utiliza-la como mecanismo de mudança na sociedade e em busca do condicionamento do capitalismo. Liberdade econômica e de expressão, igualdade jurídica e política estiveram presentes no discurso ideológico desta classe durante seus processos revolucionários.
Após a concretização do autônomo projeto capitalista, as contradições inerentes fizeram com que forças ideológicas contrarias surgissem para se oporem a estrutura funcional da sociedade capitalista, assim como do próprio sistema.
As críticas ao liberalismo resultam da constatação de que a livre concorrência não trouxeram o equilíbrio prometido, ao contrário, instaurara uma ordem injusta e imoral. (...) Contra a hierarquia das fabricas os operários criam organizações que negam o paternalismo e desenvolvem a luta para formação da consciência de classe e a emancipação do proletariado (CHAUÍ, 1993, p. 261).
No entanto, esta consciência de classe é enfraquecida por mecanismos do próprio sistema, criados com finalidades especificas. Vejamos o que Chauí (1993) nos expõe ao examinar a relação antagônica da “consciência de classe” e da “ideologia da classe dominante”:
À medida que o modo de produção vai sendo superado, a classe dominante procura retardar a transformação mantendo o modo de produção caduco com sua superestrutura: disfarça as contradições, dissimula as aparências e apresenta soluções reformistas, impedindo, assim, que as classes oprimidas formem a sua própria consciência de classe. Em outras palavras, as idéias, condutas e valores que permeiam a concepção de mundo de determinada sociedade, e que representam os interesses da classe dominante, ao serem generalizadas às classes dominadas, ajudam a manter a dominação.
A ideologia impede que o proletariado tenha consciência da própria submissão, porque camufla a luta de classes quando representa de forma ilusória a sociedade mostrando-a como uma e harmônica. Mais ainda, a ideologia esconde que o Estado, longe de representar o bem comum, é expressão dos interesses da classe dominante (CHAUÌ, 1993, p. 268).
As diferenças entre as classes sociais não se reduzem a uma diferença quantitativa de riquezas, mas expressam uma diferença de existência material. Os indivíduos de uma mesma classe partilham de uma mesma situação de classe comum, que inclui valores, comportamentos, regras de convivência e interesses.
A essas diferenças econômicas e sociais segue-se uma diferença nas relações de poder. Diante da alienação do operariado (força de trabalho), as classes – ou a classe – economicamente dominantes desenvolveram formas de dominação políticas que lhes permitam apropriar-se do aparato do Poder do Estado e, com ele, legitimar seus interesses sob a forma de leis e planos econômicos e políticos. Cada forma assumida pelo Estado na sociedade, seja sob o regime liberal, monárquico, monárquico constitucional ou ditatorial, representam maneiras diferentes pelas quais se transforma num maço órgão de gerenciamento dos negócios de toda a burguesia.
Para Melo (1977, p. 14),
Em seus primórdios históricos, os meios de comunicação social estiveram marcados por uma natureza elitista. A imprensa, que surge no Ocidente no século XV, passou a construir um instrumento de informação exclusivo das elites intelectuais, somente ocorrendo uma alteração nesse panorama com a Revolução Industrial. (...)
A vitória do liberalismo impõe o estabelecimento da liberdade de imprensa, E a Revolução burguesa, introduzindo os postulados de democratização do poder político, assegura melhores condições para a educação das massas.
Pode-se alegar a seguinte situação. A partir do momento da consolidação do capitalismo industrial, há também a consolidação de um Estado Burguês propriamente dito, pois a classe dominante dentro deste modo de produção é aquela que possui as propriedades e os meios de produção e que decidem sobre a força de trabalho. E mais: se o sistema é capitalista, toda a máquina burocrática vai tender a se aliar com os donos dos meios de produção, em uma finalidade comum: perpetuar a estrutura que existe. Para esta reprodução é sempre preciso controlar os ânimos da massa, que uma vez ou outra busca por melhores condições e se elucida das condições exploratórias.
Com o advento da Revolução Russa, por exemplo, os meios de comunicação de massa foi um grande fator determinante na disputa da ordem bipolar, assim como na disputa por mercados e áreas de influencia entre as próprias potencias colonizadoras. Para Melo (ano, p. 168),
Forçadas pela nova realidade histórica, sobretudo a vitória da revolução socialista na Rússia, as potências colonizadoras tiveram que encontrar novos caminhos para manter o controle das áreas conquistadas, resguardando-as inclusive da penetração da influencia de outras nações capitalistas concorrentes. Para tanto, o desenvolvimento dos novos veículos de comunicação eletrônica foi decisivo, uma vez que possibilitou, de um lado, a garantia de mercados para as antigas nações colonizadoras, e, de outro, a certeza de que o germe do socialismo, espraiando-se por todo o globo, seria bombardeado sistematicamente.
Nesse contexto, a televisão ocupa um papel excepcional, pela possibilidade que tem de cercar e capturar a consciência do publico por todos os lados, aproximando-se daquela meta que Theodor Adorno define como a ‘totalidade do mundo sensível em uma imagem que alcança todos os órgãos, o sonho sem sonho’.
Não é, portanto, sem outras intenções que esse veículo experimenta uma rápida expansão, implantando-se em quase todos os países subdesenvolvidos, até mesmo naqueles que não revelam ainda condições econômicas para importar tão sofisticada tecnologia
É com este desígnio de reprodução que existem os aparelhos ideológicos, mas quando estes aparelhos reprodutores da ideologia dos dominantes não consegue manter a passividade dos dominados, aí entra em cena os Aparatos Repressivos, que foram elencados anteriormente, agindo com todo o “rigor da lei”. O poder Ideológico dentro da sociedade se concentra mais na mão daqueles que possuem o controle da mídia, cooperando com o Estado e aliançados com os donos dos meios de produção. O poder repressivo é controlado diretamente e legalmente pelo Estado, que o usa de acordo com a necessidade de restaurar uma situação de “insegurança social” reprimindo aqueles que se voltam contra o “normal funcionamento da estrutura vigente”.



[1] Nossa linha de pesquisa busca entender a sociedade a partir desta teoria sociológica. Guareschi (2005. p. 30-34) expõe que o pressuposto dela “é que tudo o que é criado é histórico (...) o que é criado não é eterno, apareceu e vai desaparecendo... A teoria histórica-crítica incorpora dentro do conceito de realidade o projeto, o futuro (...). mostra a precariedade e a transitoriedade de tudo o que é social... mostra o outro lado das coisas também, uma sociologia que faça ver o que se passa por trás dos bastidores. (...) mostrando a relatividade de tudo o que é histórico”, ao contrário da teoria positivista-funcionalista, que busca apenas que a sociedade se mantenha como está: funcionando.
[2] Nos referimos com este termo ao processo de consolidação da eficácia de uma ideologia através dos mecanismos de disseminação, o qual principal deles consideramos a mídia.
[3] Aplicamos este termo para nos referir que os aparatos ideológicos surgem com a finalidade de fortificar e perpetuar o sistema; possuem em sua gênese este propósito. Fiorin (2006) usa este termo para se referir àquilo que realmente acontece; ao nível real das coisas, sendo o oposto do nível fenomênico: camuflagem feita sobre o a realidade para atender aos interesses de uma ideologia.
[4] No item 2.6 deste estudo apresentamos mais discussões sobre a escola, especificamente sobre a educação executada nesta, fazendo a relação da mesma com a mídia e o grau de contribuição entre elas (a educação oficial e a mídia capitalista) para reproduzirem a sociedade.
[5] “Concebida como opinião predominante ou opinião majoritária, a Opinião Pública é um produto da atividade social. Por isso mesmo, tem um caráter dinâmico, estando submetida a influência dialética das opiniões que refletem as forças vivas da sociedade. O processo de formação da Opinião Pública envolve todo um complexo de circulação das informações na comunidade”(MELO, 1977, p. 58).
[6] Os fatores complementares na formação das opiniões individuais: os meios de comunicação de massas, os grupos de pressão e a propaganda.
[7] Podemos definir Capitalismo como um sistema econômico surgido no ocidente, na Idade Moderna, que se expandiu pelo mundo contemporâneo nos séculos seguintes. (...) o Capitalismo assumiu diversas fases. Surgiu como Capitalismo comercial, fase chamada de mercantilismo [consideramos mais adequado a expressão marxista “acumulação primitiva de capital” por ser mais explícita]... fase de transição entre estruturas feudais e estruturas capitalistas; a segunda fase é caracterizada pelos primeiros avanços industriais dos fins do século XVIII na Inglaterra, e grande parte do século XIX com abrangência à outros países, era o capitalismo de livre concorrência. A seguir surgiu o Capitalismo monopolista, típico do imperialismo dos anos 1870-1914, baseado na concentração de capitais, luta por mercados e pela proteção das Nações em competição (SILVA e SILVA, 2006).