domingo, 25 de outubro de 2009

ENTENDENDO A SOCIEDADE CAPITALISTA

CAPÍ TULO I
O CONCEITO DE “IDEOLOGIA” E O SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO
1.1 A IDEOLOGIA E OS APARELHOS IDEOLÓGICOS
Alguns conceitos que serão utilizados no decorrer deste trabalho possuem significados que se distinguem de acordo com as correntes de pensamento dos teóricos. Um destes conceitos é fundamental dentro da abordagem do referente tema, primeiro porque seu significado não é singular possuindo alguns pontos variantes de acordo com a corrente de pensamento, segundo por ele refletir sobre vários outros conceitos que serão usados neste, este termo é “ideologia”.
1.1.1 O que é Ideologia?
Começaremos discorrendo sobre a abordagem feita por Chauí, para ela “a ideologia é um sistema ordenado de idéias ou representações, normas e regras, que aparecem como algo separado e independente das condições materiais” (apud SILVA e SILVA, 2006, p. 206-207). No entanto, esta descrição leva à um engano, “pois nenhuma idéia existe de fato sem relação com as condições materiais de existência” (ibidem, p. 207). Ao tentar conciliar o conceito de Chauí, podemos então concluir que ela considera a ideologia como algo desligado da realidade por restringir este conceito com base na análise da sociedade capitalista, para a mesma então, ideologia é o conjunto de “conhecimento ilusório que tem por finalidade mascarar os conflitos sociais e garantir a dominação de uma classe sobre a outra”(ibidem, p. 207) , ou seja,
as concepções filosóficas, éticas, políticas, estéticas, religiosas da burguesia são estendidas para o proletariado, perpetuando os valores a elas subjacentes como verdades universais. Desta forma, impedem que a classe submetida desenvolva sua própria visão de mundo e lute pela sua autonomia (CHAUÍ, 1993. p. 145).
Partindo de uma visão indutiva, Chauí constrói o significado deste conceito visando a análise da atual sociedade, e é assim que chega na conclusão de que a ideologia é uma forma de camuflagem da realidade com base em interesses do grupo que a elaborou.
Diferentemente desta visão, podemos considerar que “além da dominação e reprodução social, a ideologia é um campo também de resistência, em que não somente os dominados aderem à ideologia hegemônica, pois também entram no jogo do dominador a partir de seus próprios interesses” (Gramisci, apud SILVA e SILVA, 2006, p. 2008).
Seguindo essa via de fundamentação marxista, pode-se apresentar a visão de Fiorin (2006), este teórico estabelece uma ponte entre “linguagem e ideologia”, pois aquela é o “veículo das ideologias”. Para ele “há dois níveis de realidade e que o nível da aparência é a inversão do nível da essência”. Este nível de aparência pode ainda ser chamado de nível fenomênico, sendo que nem sempre, ou mesmo nunca, é coerente com a essência da realidade. O nível fenomênico é então uma camuflagem da realidade, fundamental para a construção da ideologia, ou ainda: o fenomênico é formado para atender à uma ideologia.
A partir do nível fenomênico da realidade, constroem-se as idéias dominantes numa dada formação social. Essas idéias são racionalizações que explicam e justificam a realidade. Na sociedade capitalista, a partir do nível aparente, constroem-se os conceitos de individualidade, de liberdade como algo individual etc. Aparecem as idéias da desigualdade natural dos homens, uma vez que uns são mais inteligentes ou mais espertos que os outros. Daí se deduz que as desigualdades sociais são naturais. Outras idéias pias, presas às formas fenomênicas da realidade, vão construindo-se: a riqueza é fruto do trabalho (só se omite que fruto do trabalho dos outros); pobres e ricos vão sempre existir; a pobreza é uma benção, pois a riqueza só traz preocupação (FIORIN, 2006, p. 28).
Para reforçar este argumento de que a ideologia é fundamentada nas formas fenomênicas da realidade e que estas formas são construídas por interesses, Fiorin emerge como exemplo “as idéias que ganham estatuto de verdades científicas e, não obstante, estão vinculadas às formas aparentes da realidade. É o caso, por exemplo, das teorias antropológicas segundo as quais havia raças inferiores e superiores e que estas deveriam civilizar aquelas” (Ibidem, p. 28).
Não só esta teoria lembrada por Fiorin, mas o “determinismo biológico” sobre a cultura, o “determinismo geográfico” são frutos de ideologias que possuem por trás interesses grupais, é só lembrar daquelas que foram fundamentais na justificativa do colonizador durante o colonialismo e o neocolonialismo.
Seguindo esta via de constatação histórico-social, Fiorin (2006. p. 32) elabora o seguinte significado para o termo “ideologia”:
Uma formação ideológica deve ser entendida como a visão de mundo de uma determinada classe social, isto é, um conjunto de representações, de idéias que revelam a compreensão que uma dada classe tem do mundo. (...) o discurso é mais o lugar da reprodução que o da criação.
Toda classe então possui a sua ideologia, sua interpretação do mundo, possuindo também seu discurso próprio, este é o reprodutor das idéias. O que faz a diferença na eficácia deste discurso é a quantidade e o controle dos meios mecânicos que esta classe possui para disseminar seu discurso.
Outro teórico que pode nos fornecer interpretações sobre este termo é o sociólogo Guareschi (2005. p. 19). Ele elenca três significados para este conceito. O primeiro é o etimológico, ou seja, o estudo das idéias. O segundo é o que chama de “sentido positivo”: conjunto de idéias, valores, maneira de sentir e pensar de pessoas e grupos. Já o terceiro é chamado de “sentido crítico”, significando as “idéias erradas, incompletas, distorcidas, falsas sobre fatos e a realidade”. Este conceito, que é considerado o mais atual e menos defasado por Guareschi, possui uma analogia à consideração de Fiorin, quando este diz que a ideologia da classe dominante deforma a realidade a partir dos níveis fenomênicos da realidade, assim como é sempre distante da essência social, buscando com isto atender a seus interesses.
Deve-se, a partir das afirmações de Fiorin e Guareschi, responder como e por que as pessoas podem ter “idéias erradas” sobre as coisas, pois isto é importante no entendimento da construção dos diversos aspectos da ideologia. Explanamos que ao mencionar que existem idéias erradas é pelo fato de nos fundamentarmos em uma corrente de pensamento histórico-crítica[1].
Quanto aos aspectos da perpetuação e entranhamento[2] dessas “idéias erradas”, Guareschi (2005, p. 20) diz que “na medida em que nós vamos incorporando e aceitando o que os outros pensam e acham a nosso respeito, nós vamos formando nossa identidade”. Esta identidade pode ser caracterizada pela ação dominada ou dominante, pois “ideologia é [ainda] o uso de formas simbólicas para criar, ou reproduzir relações de dominação” (GUARESCHI e BIZ, 2005, p. 144).
Guareschi (2005. p. 22) discorre bem claramente sobre essa ideologia criada por uns – grupos, classes, ou mesmo indivíduos – sobre os outros – grupos ou classes de oposição, ou que podem vir a inquietar aqueles. Vejamos:
Você já conversou com alguma pessoa pobre, algum favelado?
Se você tentar descobrir o que ele pensa dele mesmo, vais ver que a imagem que ele tem de si mesmo é bastante negativa. Ele acha que não presta, que é ignorante, que é mau, que vale menos que os pessoal ‘de bem’, isto é, os que sabem ler e escrever, são ricos, vivem no centro da cidade.
O teórico nos leva a perceber uma conseqüência sobre esta situação de dominação apresentada anteriormente, e pode ser estendida para outras situações. Para ele,
se você consegue convencer alguém de que ele não presta, vale menos, é ignorante etc., você pode dominar totalmente essa pessoa, pois ela já está dominada ‘na alma’, ‘na consciência’. Ela mesma já não vai querer subir, exigir mais, ter os mesmos direitos que os outros, pois ela já está convencida de que vale menos! (...) Ela interiorizou a imagem negativa que fazem dela os que têm poder e acabou acreditando na história de que ela, afinal, vale menos mesmo! (Ibidem, p. 23).
Nas situações teorizadas acima, percebe-se com nitidez o poder de uma ideologia eficaz, para esta ser eficaz precisa ser reproduzida pelo discurso e de meios para disseminar este. Mas há outro meio em que a ideologia se incorpora, o qual precisamos sucintamente analisar, este meio é a superestrutura da sociedade.
1.1.2 Os aparelhos ideológicos
Dentro de uma apreciação geral da superestrutura o Estado está acima da mesma, sendo constituído pelos Poderes de Estado (Governo, Assembléias, Parlamento) e pelos Aparelhos de Estado (Instituições). Estes aparelhos podem ser caracterizados, de acordo com sua função, como “ideológicos” ou “repressivos”. Quanto aos repressivos podemos elencar: Exército, polícias, Seguranças, Tribunais, Prisões e o Direito, sendo que não nos deteremos em analisá-los. Já os “aparelhos ideológicos”, os principais em nossa sociedade capitalista, são: a Família, as Igrejas, as Escolas, as Entidades Assistenciais e os meios de Comunicação Social (mídia) (GUARESCHI, 2005, p. 90).
Para melhor ponderação sobre os múltiplos reflexos que os significados do termo ideologia possui, aquele adotado neste trabalho e que não se restringe ao etimológico, precisamos tratar introdutoriamente sobre as principais características e funções dos mais relevantes aparelhos ideológicos para esta abordagem. Atendendo a isto, começaremos respondendo de forma clara e crítica o “por quê” que eles existem. Desta forma, pode-se exprimir que,
Todo agrupamento humano, toda sociedade necessita assegurar sua sobrevivência e sua permanência, sua reprodução. A sobrevivência é assegurada pela produção, e a reprodução é assegurada por diversos aparelhos, ou mecanismos, podendo assim garantir sua continuidade (Ibidem, p. 90).
À princípio pode-se manifestar que todo aparato ideológico possui na sua essência essa finalidade, a de fortificar e legitimar algo que já existe, sendo à nível essencial[3] contrários às mudanças: defensores das permanências, perpetuadores das estruturas já existentes na sociedade.
Começaremos a arrazoar sobre o aparelho ideológico da Escola[4]. Para Luft, Escola é tudo que ensina ou dá experiência, ou mesmo, um estabelecimento de ensino criado com este objetivo, para ele ainda, o ato educacional é a busca do desenvolvimento integral e harmônico de todas as faculdades humanas, assim como: a busca pelos bons modos, pela cortesia e pela polidez (1995). Com base nesta análise conceitual, vamos iniciar uma elucidação mais crítica desta estrutura que conhecemos como Escola. Esta é um estabelecimento criado para ensinar e dá experiência, criado por um Estado, que é governado por pessoas ligadas a uma classe, se for uma sociedade capitalista esta classe é a burguesia. Todo ensino é baseado em uma ideologia, esta ideologia explica a sociedade de acordo com a “experiência” da classe que está no poder, pois precisa reproduzí-la, fortificá-la, perpetuá-la.
Para Guareschi (2005. p. 99) a escola é um “aparelho criado pelo grupo dominante para reproduzir seus interesses, sua ideologia”. Após esta expletivação ele nos dá como exemplo algumas informações sobre a vida e os pensamentos socráticos. Vejamos:
Sócrates dizia que o professor é semelhante a um parteiro. O parteiro tira o humano do humano. Assim deve ser o educador: aquele que tira de dentro das pessoas o que já existe de humano dentro dessas pessoas. (...) Seu método consistia não em dar repostas que os outros devessem aceitar e repetir, mas em fazer perguntas, obrigando a pessoa a pensar até que ela mesma se desse conta de suas contradições e compreendesse a totalidade do fenômeno. (...) esse processo não agradou aos donos, e Sócrates foi acusado de corromper a juventude, de colocar “minhocas” na cabeça das pessoas, principalmente dos jovens. Começou uma perseguição muito grande contra sua pessoa e seu método, e Sócrates, para evitar problemas e dissabores maiores, teve de tomar cicuta (Ibidem, 100).
Tornando à sociedade atual, não é difícil evidenciar outros exemplos onde uma escola voltada para mudança seja restringida pelos interesses daqueles que optam pelas permanências das estruturas vigentes. Assim, o tipo de escola que possuímos hoje, nos paises capitalistas dependentes, é o tipo de escola necessária para que o capital possa se expandir e gerar lucros. Pode-se elencar duas funções que a escola capitalista desenvolve na sociedade. Uma é a de preparar mão-de-obra para o capital. Esta é uma tarefa imediata, necessária, apesar de não ser a mais importante.
Guareschi (2005. p. 102) alega que,
todas as reformas de ensino que aconteceram no Brasil, nas últimas três décadas, tiveram como objetivo fundamental a preparação de mão-de-obra conveniente ao bom desempenho das industrias no desenvolvimento econômico do país. Esse objetivo está claro nas justificativas das próprias reformas.
A outra função da escola dentro da sociedade capitalista, e a que faz esta instituição ser considerada um aparato ideológico, é a reprodução das relações de dominação e exploração. Estas relações são básicas dentro de nossa sociedade e uma escola instituída por ela não deixaria de ter a função de reproduzí-la. Estas duas funções se complementam, pois ao que uma providencia uma educação escolar que esteja empreguinada com a ideologia de uma classe, a outra incorpora uma finalidade mecânica à escola: formar trabalhadores para a “máquina capitalista”. A partir daqui, nossa análise se tornaria extensa quanto a este aparato.
Outro aparelho ideológico que precisa ser mencionado e caracterizado é o da Família. Estudaremos o mesmo com base nos direcionamentos de Melo (1977, p. 59). Para ele, o fenômeno de Opinião Pública[5] é formado a partir de dois fatores: o “básico” e os “complementares”[6].
Entre os fatores básicos estão a educação [da qual já tratamos], a vida familiar e a participação nos grupos primários. (...)
... se insere no próprio contexto da educação informal. Da família, o individuo recebe uma série de padrões de comportamento, aos quais se vai acostumando, e em torno dos quais vai girar na sua atividade social. Toda a sua vida em sociedade estará orientada pelos marcos de referencia que advêm da vida familiar e condicionam a adoção de opiniões e atitudes (ibidem, p 59).
Desta forma, é inegável que a família é influenciada pela mídia, já que os modelos de núcleos familiares que temos na sociedade são determinados pelos meios midiáticos – família estruturada e família desestruturada, “pois a mídia (notícias, divertimentos, novelas, filmes, shows...) modifica a forma como as pessoas se relacionam, como aprendem, compram, namoram, votam, consulta médica, fazem sexo”, assim como o que é certo ou errado (GUARESCHI, 2005, p. 38). A família, então, também se torna passível e fomentadora dos modelos disseminados pela mídia. Ela também é fruto da época da “cronofagia”, ou seja, “uma época em que temos necessidade de nos alimentar do “tempo”, que passou a significar o “novo”, época em que muitos se transformam em devoradores de coisas novas” (ibidem, p. 48).
As mesmas características que fazem da escola, da família, dos sindicatos e de outros serem considerados aparatos ideológicos podem ser empregados à análise das Igrejas. Ou seja, também estão a serviço da reprodução das relações de dominação do sistema capitalista. Exploraremos algumas explicações sobre este aparato.
Não foram poucos os que, na história da humanidade, tentaram e conseguiram absolutizar o poder por meio de uma justificativa divina, conseguindo assim, dominar seus súditos. É perceptível que todo governante, para melhor se consolidar busca o apoio das instituições religiosas. Isso porque este aparato possui o poder de disseminar e sacralizar ideologias por meio de explicações até mesmo sobre-humanas. Não é difícil na sociedade capitalista perceber ainda as alianças que existem entre governantes e igrejas, em troca de interesses recíprocos.
Pode-se colocar junto com essa categoria de religião todas aquelas que servem aos interesses dos donos do poder. Uma religião que não possui uma postura crítica diante do social, que no contém em si a possibilidade de denunciar a absolutização do poder, a corrupção que decorre desse poder absoluto, e a dominação e opressão que são resultado dessa situação estrutural, não deixa de ser super estrutural (GUARESCHI, 2005, p. 120).
A Igreja então, que deveria ser uma disseminadora das idéias igualitárias e humanas se torna perpetuadora das relações capitalista. É preciso considerar que “quando um regime autoritário e dominador se sente bem com determinado grupo religioso, e vice-versa, pode-se começar a suspeitar que tal religião esteja servindo aos interesses dos poderosos” (Ibidem, p. 120).
Não se pode deixar de alegar nesta discussão, que os aparatos explorados possuem sua contradição. Por isso, é possível encontrar dentro de uma escola domesticadora e manipuladora, relações sociais que levem a uma transformação e que propiciem uma verdadeira educação. Assim como, numa igreja, ou numa religião, esses grupos podem ser, simplesmente, locais onde são legitimadas, reproduzidas e sacralizadas as relações capitalistas de dominação e exploração, pode ser que os grupos religiosos passem a desenvolver uma práxis libertadora; tornando-se local de denunciação dos falsos deuses do dinheiro e do poder; local de denunciação de sistemas absolutos e totalitários; local de protesto contra a miséria real, de denuncia profética dos males, entre outros.
1.2 A FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO E A NECESSIADADE DE REPRODUÇÃO
Para uma melhor consistência na análise posterior e na tentativa de mapear aspectos da reprodução ideológica dentro da sociedade atual, é preciso manifestar informações que proporcionem compreender como se formou as estruturas sociais e políticas dentro desta sociedade. Partindo deste pressuposto serão feita algumas discussões teóricas sobre a formação do Estado Moderno, que é a gênese do Estado Contemporâneo que temos hoje, especificamente nos pontos de funcionamento infra-estrutural e superestrutural necessários à melhor compreensão deste estudo.
Quando mencionamos a infra-estrutura nos referimos aos mecanismos e elementos inerentes ao Modo de Produção, ou seja: os meios de produção (fabricas e terras) e o trabalho, que compõem o que chamamos de Forças de Produção, e as Relações de Produção. Essas relações de produção e a superestrutura dessa sociedade e o Modo Moderno de produção serão nosso foco de análise.
Para este estudo aceitaremos o seguinte significado para o conceito de “Modo de Produção”:
Para Marx, os modos de produção correspondem a estágios específicos das forças de produção e relações de produção de dada forma social. O modo de produção, em linguagem menos teórica seria o modo pelo qual determinada sociedade organiza sua vida econômica, o trabalho, as estruturas políticas e jurídicas e mesmo as manifestações culturais. Todos os aspectos da vida em sociedade (desde os aspectos materiais até os aspectos mentais) estariam determinados pelo modo de produção da vida material. Para o materialismo histórico, é a maneira concreta de uma sociedade organizar sua produção que dá forma a todo o edifício social nela existente (SILVA e SILVA, 2006, p. 301).
O modo de produção do Estado Moderno é o Capitalismo[7], pode-se até afirmar que aquele nasceu em detrimento deste. Os primeiros elementos deste modo de produção surgem de acordo com que vão se desestruturando os elementos do Feudalismo. Podemos elencar como componente básico da nova sociedade inerente a este modo de produção a classe social burguesa. É esta a mentora de muitas estruturas do capitalismo. Ao conseguir se consolidar concomitantemente ao sistema, elementos foram sendo criados, assim como as relações específicas deste modo de produção foram sendo clarificadas. Este sistema moderno surge com a intensificação do comércio e, conseqüentemente, da produção em larga escala e à distância, neste ínterim, o grupo que dominou o comércio e a produção ganhou espaço nesta sociedade capitalista, substituindo os resquícios da sociedade nobiliárquica. Em seguida, buscou ganhar espaço político através das Revoluções Burguesas. Este caminho percorrido por esta classe com o fim de consolidar-se, foi impregnado da elaboração de elementos de controle e de solidificação das relações capitalistas, que são de dominação e exploração.
Para Procacci (2003, p, 53), “a tendência da classe dos exploradores em realizar o lucro máximo sobre o trabalho dos simples produtores, esta é a sua lei fundamental”. E ainda, Soboul (2003. p. 69) nos manifesta a aliança que existia entre os monarcas absolutistas e a classe dominante capitalista:
Na sociedade do Antigo Regime, a burguesia detentora do capital comercial estava, em grande parte, ligada ao poder do Estado monárquico e à aristocracia feudal: financistas, grandes negociantes, fabricantes-empreendedores estavam integrados – no que diz respeito às relações de produção.
Ainda que a burguesia ganhe ascensão social e jurídica com os movimentos burgueses em “aliança com o povo”, a consolidação do capitalismo e das relações de produção só se dão a partir do século XVIII, com o advento das Revoluções Industriais.
Esta Revolução completou a transição do Feudalismo ao Capitalismo, pois significou o momento final do processo de expropriação dos produtores diretos. O Modo de Produção capitalista pode ser caracterizado pela introdução da maquinofatura e pelas relações sociais de produção assalariadas. Tais relações passaram a predominar a partir do momento em que houve a separação definitiva entre capital e trabalho, reflexo direto da industrialização (MARQUES; BERUTTI; FARIA, p. 27).
Após esta revolução a organização social ficou mais clara, ou seja, os antagonismos entre as classes se evidenciaram como consolidados. Mas, antes de arrolar as classes que compõem essa estrutura social, precisa-se argumentar sobre o significado atribuído ao termo e que será adotado neste estudo, já que existem vários significados e forma de abordá-lo de acordo com a corrente de pensamento.
Primeiramente é viável expor a interpretação feita por Silva e Silva (2006, p. 63, 64) sobre o que Karl Marx considerou classe social:
Marx definiu classe social como a posição comum de um conjunto de individuo no interior das relações sociais de produção. Para ele, classe era um grupo social com uma função especifica no processo. Por exemplo, os proprietários de terra, os capitalistas e os trabalhadores constituem classes distintas. Cada um deles ocupa um lugar especifico no processo de produção: uns possuem a terra,. Outros, o capital, e os trabalhadores, a habilidade de trabalho.
(...) a partir da analise geral da obra de Marx, o exercício de atividades profissionais, a maneira de pensar e o modo de vida seriam condições necessárias para a definição de um grupo como classe, mas, além disso, para que esse grupo se torne uma classe no sentido pleno é preciso que tenha consciência da sua unidade e de distinção (possivelmente até de hostilidade) diante de outros agrupamentos sociais.
Esta interpretação é salutar, pois as análises de Marx são extensas e os conceitos se tornam rebuscados. Para clarear este termo, é viável recorrer ao que o sociólogo Guareschi (2000, p. 40) expõe ao analisar Marx. Para ele,
o antagonismo fundamental de classes entre trabalhadores e capitalistas pode ser visto como uma polarização em cada um, desses três processos adjacentes ou dimensões: (1) os capitalistas controlam o processo de acumulação, (2) decidem como os meios físicos de produção devem ser usados e (3) controlam estrutura de poder dentro do processo do trabalho. Os trabalhadores ao contrário, são excluídos do controle sobre as relações de poder, dos meios físicos de produção e do processo de investimento. Estas duas combinações desses três processos de relações de classes constituem as suas posições antagônicas básicas de classes dentro do modo capitalista de produção.
Além destas duas posições antagônicas, Guareschi (ibidem, p. 42), apresenta uma posição contraditória entre elas. Vejamos:
‘Gerentes e supervisores’ ocupam uma posição contraditória entre a burguesia e o proletariado. À semelhança dos operários, os baixos gerentes e supervisores vendem sua força de trabalho e estão excluídos do controle sobre o processo de acumulação; ao contrário dos trabalhadores, eles participam do capital físico e da supervisão do trabalho dentro da produção.
Outras posições contraditórias podem ser observadas, mas nos prendemos a aceitar neste estudo apenas a que mais se evidencia entre as duas classes antagônicas: donos dos meios de produção e trabalhadores, e um grupo que exerce uma posição contraditória nessa relação: ou burguesia administrativa.
Um fator muito importante para definir as classes numa sociedade é quanto as diferenças ideológicas. Neste aspecto já emergimos como que a ideologia é importante na tentativa de perpetuação de uma classe no poder. A burguesia moderna soube muito bem utiliza-la como mecanismo de mudança na sociedade e em busca do condicionamento do capitalismo. Liberdade econômica e de expressão, igualdade jurídica e política estiveram presentes no discurso ideológico desta classe durante seus processos revolucionários.
Após a concretização do autônomo projeto capitalista, as contradições inerentes fizeram com que forças ideológicas contrarias surgissem para se oporem a estrutura funcional da sociedade capitalista, assim como do próprio sistema.
As críticas ao liberalismo resultam da constatação de que a livre concorrência não trouxeram o equilíbrio prometido, ao contrário, instaurara uma ordem injusta e imoral. (...) Contra a hierarquia das fabricas os operários criam organizações que negam o paternalismo e desenvolvem a luta para formação da consciência de classe e a emancipação do proletariado (CHAUÍ, 1993, p. 261).
No entanto, esta consciência de classe é enfraquecida por mecanismos do próprio sistema, criados com finalidades especificas. Vejamos o que Chauí (1993) nos expõe ao examinar a relação antagônica da “consciência de classe” e da “ideologia da classe dominante”:
À medida que o modo de produção vai sendo superado, a classe dominante procura retardar a transformação mantendo o modo de produção caduco com sua superestrutura: disfarça as contradições, dissimula as aparências e apresenta soluções reformistas, impedindo, assim, que as classes oprimidas formem a sua própria consciência de classe. Em outras palavras, as idéias, condutas e valores que permeiam a concepção de mundo de determinada sociedade, e que representam os interesses da classe dominante, ao serem generalizadas às classes dominadas, ajudam a manter a dominação.
A ideologia impede que o proletariado tenha consciência da própria submissão, porque camufla a luta de classes quando representa de forma ilusória a sociedade mostrando-a como uma e harmônica. Mais ainda, a ideologia esconde que o Estado, longe de representar o bem comum, é expressão dos interesses da classe dominante (CHAUÌ, 1993, p. 268).
As diferenças entre as classes sociais não se reduzem a uma diferença quantitativa de riquezas, mas expressam uma diferença de existência material. Os indivíduos de uma mesma classe partilham de uma mesma situação de classe comum, que inclui valores, comportamentos, regras de convivência e interesses.
A essas diferenças econômicas e sociais segue-se uma diferença nas relações de poder. Diante da alienação do operariado (força de trabalho), as classes – ou a classe – economicamente dominantes desenvolveram formas de dominação políticas que lhes permitam apropriar-se do aparato do Poder do Estado e, com ele, legitimar seus interesses sob a forma de leis e planos econômicos e políticos. Cada forma assumida pelo Estado na sociedade, seja sob o regime liberal, monárquico, monárquico constitucional ou ditatorial, representam maneiras diferentes pelas quais se transforma num maço órgão de gerenciamento dos negócios de toda a burguesia.
Para Melo (1977, p. 14),
Em seus primórdios históricos, os meios de comunicação social estiveram marcados por uma natureza elitista. A imprensa, que surge no Ocidente no século XV, passou a construir um instrumento de informação exclusivo das elites intelectuais, somente ocorrendo uma alteração nesse panorama com a Revolução Industrial. (...)
A vitória do liberalismo impõe o estabelecimento da liberdade de imprensa, E a Revolução burguesa, introduzindo os postulados de democratização do poder político, assegura melhores condições para a educação das massas.
Pode-se alegar a seguinte situação. A partir do momento da consolidação do capitalismo industrial, há também a consolidação de um Estado Burguês propriamente dito, pois a classe dominante dentro deste modo de produção é aquela que possui as propriedades e os meios de produção e que decidem sobre a força de trabalho. E mais: se o sistema é capitalista, toda a máquina burocrática vai tender a se aliar com os donos dos meios de produção, em uma finalidade comum: perpetuar a estrutura que existe. Para esta reprodução é sempre preciso controlar os ânimos da massa, que uma vez ou outra busca por melhores condições e se elucida das condições exploratórias.
Com o advento da Revolução Russa, por exemplo, os meios de comunicação de massa foi um grande fator determinante na disputa da ordem bipolar, assim como na disputa por mercados e áreas de influencia entre as próprias potencias colonizadoras. Para Melo (ano, p. 168),
Forçadas pela nova realidade histórica, sobretudo a vitória da revolução socialista na Rússia, as potências colonizadoras tiveram que encontrar novos caminhos para manter o controle das áreas conquistadas, resguardando-as inclusive da penetração da influencia de outras nações capitalistas concorrentes. Para tanto, o desenvolvimento dos novos veículos de comunicação eletrônica foi decisivo, uma vez que possibilitou, de um lado, a garantia de mercados para as antigas nações colonizadoras, e, de outro, a certeza de que o germe do socialismo, espraiando-se por todo o globo, seria bombardeado sistematicamente.
Nesse contexto, a televisão ocupa um papel excepcional, pela possibilidade que tem de cercar e capturar a consciência do publico por todos os lados, aproximando-se daquela meta que Theodor Adorno define como a ‘totalidade do mundo sensível em uma imagem que alcança todos os órgãos, o sonho sem sonho’.
Não é, portanto, sem outras intenções que esse veículo experimenta uma rápida expansão, implantando-se em quase todos os países subdesenvolvidos, até mesmo naqueles que não revelam ainda condições econômicas para importar tão sofisticada tecnologia
É com este desígnio de reprodução que existem os aparelhos ideológicos, mas quando estes aparelhos reprodutores da ideologia dos dominantes não consegue manter a passividade dos dominados, aí entra em cena os Aparatos Repressivos, que foram elencados anteriormente, agindo com todo o “rigor da lei”. O poder Ideológico dentro da sociedade se concentra mais na mão daqueles que possuem o controle da mídia, cooperando com o Estado e aliançados com os donos dos meios de produção. O poder repressivo é controlado diretamente e legalmente pelo Estado, que o usa de acordo com a necessidade de restaurar uma situação de “insegurança social” reprimindo aqueles que se voltam contra o “normal funcionamento da estrutura vigente”.



[1] Nossa linha de pesquisa busca entender a sociedade a partir desta teoria sociológica. Guareschi (2005. p. 30-34) expõe que o pressuposto dela “é que tudo o que é criado é histórico (...) o que é criado não é eterno, apareceu e vai desaparecendo... A teoria histórica-crítica incorpora dentro do conceito de realidade o projeto, o futuro (...). mostra a precariedade e a transitoriedade de tudo o que é social... mostra o outro lado das coisas também, uma sociologia que faça ver o que se passa por trás dos bastidores. (...) mostrando a relatividade de tudo o que é histórico”, ao contrário da teoria positivista-funcionalista, que busca apenas que a sociedade se mantenha como está: funcionando.
[2] Nos referimos com este termo ao processo de consolidação da eficácia de uma ideologia através dos mecanismos de disseminação, o qual principal deles consideramos a mídia.
[3] Aplicamos este termo para nos referir que os aparatos ideológicos surgem com a finalidade de fortificar e perpetuar o sistema; possuem em sua gênese este propósito. Fiorin (2006) usa este termo para se referir àquilo que realmente acontece; ao nível real das coisas, sendo o oposto do nível fenomênico: camuflagem feita sobre o a realidade para atender aos interesses de uma ideologia.
[4] No item 2.6 deste estudo apresentamos mais discussões sobre a escola, especificamente sobre a educação executada nesta, fazendo a relação da mesma com a mídia e o grau de contribuição entre elas (a educação oficial e a mídia capitalista) para reproduzirem a sociedade.
[5] “Concebida como opinião predominante ou opinião majoritária, a Opinião Pública é um produto da atividade social. Por isso mesmo, tem um caráter dinâmico, estando submetida a influência dialética das opiniões que refletem as forças vivas da sociedade. O processo de formação da Opinião Pública envolve todo um complexo de circulação das informações na comunidade”(MELO, 1977, p. 58).
[6] Os fatores complementares na formação das opiniões individuais: os meios de comunicação de massas, os grupos de pressão e a propaganda.
[7] Podemos definir Capitalismo como um sistema econômico surgido no ocidente, na Idade Moderna, que se expandiu pelo mundo contemporâneo nos séculos seguintes. (...) o Capitalismo assumiu diversas fases. Surgiu como Capitalismo comercial, fase chamada de mercantilismo [consideramos mais adequado a expressão marxista “acumulação primitiva de capital” por ser mais explícita]... fase de transição entre estruturas feudais e estruturas capitalistas; a segunda fase é caracterizada pelos primeiros avanços industriais dos fins do século XVIII na Inglaterra, e grande parte do século XIX com abrangência à outros países, era o capitalismo de livre concorrência. A seguir surgiu o Capitalismo monopolista, típico do imperialismo dos anos 1870-1914, baseado na concentração de capitais, luta por mercados e pela proteção das Nações em competição (SILVA e SILVA, 2006).